terça-feira, fevereiro 22, 2005

Voar - XVI - Sonho

É azul.
Lembra o céu;
Mas não liga com terra alguma.
E vai mudando de cor:
Fica amarelo,
Vermelho;
E de branco se esfuma.
Ouço pássaros,
Mas não os vejo...
Pio.
Não há onde ir;
Não há onde pousar;
Mas bato de novo as asas...
Torço de novo estas nuvens...
Dou voltas e voltas...
Sempre a flutuar,
Sempre a cantar...
Sorrio,
Pois estou a voar.

Voar - XV - Adormecer

Deito-me aqui cansado:
Encolho-me
Sobre a relva deitado;
A Lua aconchega-me.
Puxo até ao pescoço
O lençol branco que ela me dá;
Fecho os olhos,
Num respirar a acalmar...
Liberto minha mente
De corpo quente:
Deixo-a ir,
Deixo-me subir:
Sob a Lua e as estrelas
Fico a sonhar,
Enquanto estou a dormir.

Voar - XIV - Noite Densa

Avanço em frente
Pelo meio das árvores vestidas de Lua,
Com os pássaros sobre elas adormecendo;
Grilos cantam:
Um áspero som redundante,
Alto, abundante...
Folhas agora, estalam sob meus pés,
Juntamente com ramos caídos estaladiços,
Num último suspiro de ambos
Após suas mortes.
O escuro apodera-se de novo de mim;
Mas é um escuro onde alguém mais existe...
As árvores parecem congeladas:
Apresentam-se frias,
Mas ainda fortes...
Mais ainda...
Assustam.
Gela-me também a respiração;
Caminho, lento...
Hesitante...
Parece outro mundo,
Outra dimensão;
O silêncio ecoa-me nos ouvidos,
Entre gritos de árvores caladas;
Ao longe, um mocho berra:
Minha alma fica assustada...
Corro!
Meus pés enterram-se em terra,
E a elevam ao ar;
Mais uma vez,
Sou o único que não pode voar!
Os grilos, as árvores, os gritos!
Esfaqueiam-me como chicotes...
Tapo os ouvidos em vão,
Pois ainda consigo ouvi-los!
Pelo mato denso me adentro:
Meu peito palpita
Como se tivesse dois corações;
As árvores me perseguem!
Os arbustos me cercam!
As silvas me agarram!
Os pássaros gritam para mim em volta:
Circulam-me como furacões!
Grito.
E abro os olhos...
Sinto a relva tenra,
Humida sob meus pés;
Em volta árvores já não há...
E os pássaros todos dormem...
A floresta ficou para trás;
E a Lua me olha, me sorri, e me diz:
"Afinal...
Querias tu voar,
Invejavas todos os que voam,
Mas esqueceste-te que és o único
Que pode sonhar."

Voar - XIII - A Lua

Pasmo-me.
A sua luz
Ilumina a saliva que me escorre,
E que limpo com a mão.
A Lua vai-se acendendo de branca,
Mas amarelo-laranja está;
Ela sobe no ar
E dá-me mais desejo de voar!
Todos olham a sua luz bela,
Todos vêem graças a ela...
E o céu tinge-se esbranquiçado
Num círculo em volta dela.
"Quem a terá posto no ar?
Quem poderia... algo tão belo criar?"
As árvores não respondem,
E os pássaros se calam...
Apenas a admiram,
Apenas sentem as suas lágrimas:
Escorrem sobre si;
As árvores pintam-se de brancas
Com a tinta que as afoga,
A relva estica-se para chegar mais perto,
E os pássaros bebem sua luz
De bico aberto.
A Lua muda a noite:
Tudo pára,
Mas tudo enche de vida;
A Lua dá à noite
Uma sensação aquecida;
A Lua ainda mais que o Sol...
Nunca será esquecida.

Voar - XII - Nascer da Lua

Mas...
Do outro lado,
Oposto ao que o Sol desceu,
Uma luz clareia no céu;
O Sol não é,
Pois o céu escuro está...
Quem é que o está a acender?
Quem será... O que vai nascer?
Um ponto mais brilhante que qualquer estrela
Surge sobre a linha da montanha:
Sobe, arrastando consigo
Uma bola laranja...
Mas não laranja como o Sol...
Nesta vejo manchas,
Pontos escuros;
Não só das árvores
Que do topo da montanha a observam,
E á frente dela se postram,
Mas em si mesma:
Desenhos que não a fazem perfeita;
Apenas...
Linda.
E já toda no céu voa:
Magnifica Lua cheia;
Roda flutuando bela;
Toda ela de luz feita.

Voar - XI - As Estrelas

Elas começam a pontilhar o céu;
Aqui e acolá, elas surgem.
Amigas do Sol,
Nos lembram dele:
Nos lembram que ele voltará.
Piscam...
Um piscar de olhos sorridente,
Enquanto nos olham de frente,
Sempre no seu lugar,
Mas sempre a andar;
Nada pára,
Neste dia que está a acabar.
Observo-as...
Também elas voam;
Sinto que sou o único
Impedido de voar;
Mas talvez seja apenas o único
A que é permitido sonhar.
Elas são diferentes,
Quando primeiro parecem iguais:
Algumas têm uma cor,
Outras têm mais,
E umas maiores que outras,
Mas todas são majestais.

Voar - X - Pôr do Sol

Acordo com o Sol a adormecer:
Reviro-me, e sento-me.
Lamento:
"Desculpa..."
...Enquanto olho para baixo...
"...E obrigado."
Em frente, longe,
O Sol paira sobre a montanha;
Parece... mas não está parado.
Ele brilha laranja
Enquanto seu calor se extingue,
E as nuvens
De vermelho, laranja,
Roxo e rosa tinge.
Todos se despedem;
Já as saudades sentem;
Mas ele continua num aceno glorioso,
Um aceno sempre mais brilhante,
Enquanto o pico da montanha o espeta,
O corta,
O engole.
E assim fica tudo escurecido,
E as nuvens, apagadas ficam;
Mas o Sol não fica esquecido
Enquanto a noite nos possui,
E as estrelas ténues brilham.

Voar - IX - Tento

Sigo-o.
Subo à árvore,
Aos ramos que estalam sob mim;
A casca arranha-me as mãos,
Como não arranha os pés dele,
Mas ignoro.
Puxo um ramo que se parte;
Estala com um estalar
Que ecoa até ao céu:
O som de uma árvore a gritar...
"Desculpa... mas preciso."
E continuo.
Sinto-me mais pesado...
Será da distância do chão?
Ou de minha consciência carregado?
Mas com força,
Subo ao ramo esticado...
Em baixo, o chão foge de mim,
Mas equilibro-me mesmo assim:
De pé, braços abertos,
Minhas asas sobem no ar...
Pernas em ponto de impulsão...
Respiro fundo...
E olho-o:
"Continuas a voar...
Continuas em círculos imperfeitos
A deslizar...
Mas é agora que te vou acompanhar..."
E salto!
Vejo o céu a descer!
Sinto-me a subir!
"Consegui! Estou a voar!"
O meu peso corre para longe:
Faço parte do ar!
E bato os braços, a flutuar...
Sorrio
Sob o Sol quente que me segura...
Mas...
Ele largou-me!
O céu foge...
O chão corre para mim,
E o pássaro continua a voar,
Enquanto eu estou a cair,
E o ar choca contra minha cara:
Frio se faz sentir,
Pois meu lugar não é no ar,
Mas na relva que me chama
E me olha desesperada:
"Não!"
Grita.
Mas eu desço...
De braços abertos,
E olhos fechados:
"Desculpa..."
Lhe respondo,
Antes de lhe cair tal corpo atirado;
Antes de a esmagar, inocente, por baixo;
Antes de a sentir, sob meu corpo pesado;
Estatelo-me:
E fico sobre ela deitado.

Voar - VIII - Voar

Abre as asas...
Pernas em ponto de impulsão;
Olha para o cimo:
Lá estarás;
Respira fundo...
Estica as pernas...
Salta!
Voa...
Sobre a minha cabeça
Ele desliza;
Com a maior naturalidade,
Toda a facilidade.
Ele navega
Para cima, para baixo;
Dá a volta;
Dá espirais;
Torce as nuvens,
E sobe ainda mais!
Invejo-o.
Fixo-o.
Absorvo-o.
A minha alma engole
Essa capacidade de voar;
Minha alma ganha asas
Que sinto a esticar...
Sinto-as... a desejar.
E abro os braços;
Persigo-o com o meu olhar
E digo-lhe:
"Vou-te apanhar..."
"Vou também voar."

Voar - VII - Os Pássaros

Ouço o choro das árvores intensificado
Pelo incessante cantar dos pássaros,
Saltando de ramo em ramo;
Entre o mato da relva,
Eles buscam comida para si
E para seus filhos,
Que entregam no alto ninho;
Alegres, se chamam...
Conversam...
Juntos cantam
Uma sinfonia não ouvida noutro lugar,
Senão junto das aves:
Donas, e viajantes do ar.

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Voar - VI - As Árvores

As árvores, como me apercebo,
São os seres mais tristes que conheço.
Vivem todos os dias, durante anos
Para fazer os outros respirar,
Sem ninguém que lhes agradeça.
Vivem para fazer viver,
Presas no seu lugar.
É graças a elas que tudo corre:
Por causa delas os pássaros voam,
Sem elas, tudo morre.
Mas o Sol, do alto,
Inpropositadamente,
Aquece desejando o bem;
E quando aquece demais,
Não só sufoca os animais,
Mas aquece as árvores também;
E enquanto elas ardem,
Os animais fogem,
Os pássaros voam,
Mas elas não podem.
Sonham fugir,
Sonham correr...
Mas paralizam
Para os outros poderem viver;
E sem ninguém sequer parar,
Sem ninguém lhes agradecer,
Aguardam sem nada fazer:
Sobre elas não têem poder.
A morte injusta as assala,
E elas apenas a podem
Receber.

Voar - V - Natureza

Levanto-me e olho em volta.
No nada, não sabia onde estava.
Mas acordei, e o nada já não é ninguém;
Porque à minha volta, vejo:
Sob o céu azul,
Vive verde
A Natureza,
A vida,
A beleza.
A relva amolece inocente
Sobre meus pés que a calca,
E ela sente.
As árvores erguem-se e me olham
Para baixo, me apontam,
Me denunciam, me lamentam:
Elas choram.

Voar - IV - Sol

O Sol ergue-se imponente,
Para lá do manto do céu.
Ele se faz sentir
Quente:
Sentimo-lo,
Podemo-lo agarrar,
Abraçar;
Mas ninguém o pode
Segurar.
Ele voa;
Ele sonha
Sobre as nuvens,
Com as nuvens;
Ele salta entre elas,
E sorri sempre:
Um sorriso que ofusca o olhar,
Um sorriso que não deixa chorar.
Sonha e assim vive
Todos os dias para sempre:
Corre sem nunca cansar.

Voar - III - O Céu

O céu é liso;
Azul, esbranquiçado.
É como um manto
Longínquo,
Que nos cobre,
Segura-nos cá dentro,
Protege-nos;
Mas deixa-nos livres:
Podemos olhar,
Esticar a mão e sentir;
Podemos sonhar,
Dar um salto,
E nele voar.
Tem nuvens
De água evaporada,
Outrora quente.
E nelas podemos nadar;
Nelas podemos viver,
Castelos fazer nascer;
Sobre elas podemos correr
E saltar;
Nelas podemos sorrir,
Banhos de Sol tomar.
Tudo podemos sentir;
No céu, podemos sonhar.

Voar - II - O Dia

Incrédulo,
Admiro o que se me apresenta;
Paraliso...
...
...sobre o céu...
..que vejo.
Lindo!
Não é negro.
Não é escuro.
Não o conhecia;
Mas agora o via!
Agora estava ali,
Agora sou alguém,
Agora vivo,
Porque há pouco eu nasci!
E nasci para este céu azul brilhante,
Para a luz radiante,
O calor que eu não sentia;
Mas agora...
Conheço a luz do dia.

Voar - I - Nascer

Sinto-me apertado,
Esborrachado,
Esmagado sem saber onde;
Escuro, misterioso, obscuro,
Grotesco, estou fechado;
Mas... sinto-o:
Encarcerado,
Doloroso;
E abro os olhos
Para o escuro apagado;
Mas... abro-os...
Sinto-os e abri!
Sinto...
Que sou alguém
E quero viver:
Quero ser;
Deixar este nada,
Pois nada nao sou,
Porque sonho...
Sonho!
Quero viver...
Desejo...
Ser.
A ideia me ecoa
Enquanto penso...
Penso!
Sou realmente.
Mas nada vejo a frente...
Porquê?
Conformar?
Não...
Lutar.
Quero nascer,
Porque sinto, sonho e penso.
Sou alguém, que alguém quer ser.
E abro as mãos;
Estico os braços
Contra o nada que amolecendo, estica;
Com força,
Atiro contra a parede o meu sonho,
E o desejo intensifica;
As minhas unhas rasgam:
Como lâminas dilaceram;
O acroso líquido escorre por meus braços,
Mas quero ver
Porque os olhos abri!
E quero viver
Porque isso senti!
E rasgo!
Rasgo a corrente que me apertava!
A corda que me amarrava!
A coleira que me sufocava!
Frio, nu, desconhecido...
Apresento-me ao mundo que se abre;
Estico a mão...
Descerro os olhos para o céu:
E abre-se meu coração.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Untitled - És

Estou aqui...
E não estou.
Não sei onde estou;
Sentado, estou a voar.

Meus olhos, que vêem?
Nada, mesmo nada.
Mas vejo algo;
Voando, estou a sonhar.

Por um buraco de branco profundo
Perfuro, de asas abertas;
Brilhas ténue, no centro, em frente:
Embrulhas-me como mantas belas.

E passeamos,
Mãos dadas...
Sorrimos.

Não.
Tu sorris.
És tu os sorrisos em mim;
São tuas as lágrimas que choro;
És tu que me acordas de dia;
E sem ti, calmo não adormecia.

És tu a minha lua,
Quando a noite se derrama;
És tu todas as estrelas,
Quando o Sol está na cama;
És tu no meu olhar:
Este brilho a reflectir
Esta vontade de te sentir,
Esta vontade de te amar.